quinta-feira, 21 de julho de 2011

A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES


Jéferson Dantas, Mestre em educação pela UFSC clioinsone@gmail.com


A formação de futuros educadores é um dos principais desafios em Santa Catarina e no Brasil. As demandas do mundo contemporâneo exigem dos (as) educadores (as) mais do que uma formação instrumental, razão pelas quais milhares de estudantes da educação básica encontram-se cada vez mais despolitizados e alheios ao modelo econômico vigente. As lacunas da formação inicial nas universidades não são os únicos entraves, já que as próprias instituições educacionais necessitam repensar os seus currículos e o processo de democratização de suas instâncias de deliberação coletiva (associação de pais e professores, grêmios estudantis e conselhos deliberativos).

Para o educador estadunidense Henry A. Giroux, a racionalidade instrumental na formação inicial tem “treinado” os educadores para obedecerem a pacotes curriculares oficiais dos quais não opinaram ou não construíram coletivamente. Embora esta seja uma realidade dos Estados Unidos, no Brasil as políticas públicas educacionais têm seguido essa mesma corrente há alguns anos. A lógica institucional neotecnicista é preocupante, já que desvaloriza ou desqualifica a função social mediadora do (a) educador (a), tornando-o um mero repassador de conteúdos disciplinares descontextualizados. A politização dos (as) educadores (as) ao perder seu lugar para a mera instrução empobrece o caráter epistemológico das diferentes áreas do conhecimento, sedimentando práticas pedagógicas desideologizadas e sensíveis à escamoteação do que efetivamente precisaria ser ensinado nos bancos escolares.

A travessia dos (as) educadores (as) em sua formação inicial/continuada é bastante árdua, tendo em vista as precárias condições de trabalho e uma carga horária muitas vezes desumana na educação básica. Um (a) educador (a) que lê pouco, que não frequenta espaços culturais diferenciados e não reivindica sua autoria na construção de seu projeto existencial, dificilmente superará sua condição de subalternidade. A luta permanente da classe docente na valorização de seu ofício é o caminho possível para a mudança desse panorama. Caso contrário, se continuará formando crianças e jovens menos solidários (as), insensíveis à violência estrutural e indiferentes à banalização da sociedade de consumo, cada dia mais individualizada e a mercê da manipulação da indústria cultural.

LIÇÕES DE UMA GREVE

Jéferson Dantas


Nenhuma greve passa incólume por qualquer trabalhador. Os aprendizados são inúmeros e a greve do magistério catarinense foi uma clara demonstração de como a classe docente modificou suas ações e enfrentamentos em relação às estratégias de desqualificação e desmobilização do aparato estatal. Reivindicou de forma justa e legítima a instituição da Lei nº 11.738 (Piso Salarial Nacional), que foi aprovada em julho de 2008, mas que o governo LHS fez questão de fazer vistas grossas e ouvidos moucos. Até mesmo a mídia de massa foi obrigada a reconhecer que a greve do magistério tratava-se de um movimento organizado em concordância com preceitos constitucionais, assegurando espaços de debates em seus tablóides. Sem falar dos recursos desviados do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), questão que veio à tona durante a greve graças à denúncia de parlamentares da oposição.

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 026/2011 que altera o plano de carreira e o salário dos professores foi aprovado em tempo recorde antes do recesso dos parlamentares catarinenses, numa manobra antidemocrática, já que não se constituiu um prazo mínimo para que todos/as os/as parlamentares lessem o conteúdo do PLC e fizessem as devidas considerações numa plenária aberta ao público. O que se viu – amplamente divulgado por jornais, tevês e portais da internet – foi a truculência das tropas de choque na Assembleia Legislativa, evitando que os ‘perigosos’ professores interrompessem a votação do projeto de lei (que prejudica o magistério catarinense).

Com o fim da greve e o recomeço das aulas eis que os/as professores/as puderam avaliar a importância de sua força coletiva. Nas redes sociais virtuais é amplo o debate sobre as estratégias políticas futuras, além de um espírito combativo que extrapola os limites das salas de aula. Há inclusive a ideia compartilhada de se constituir um partido político formado apenas por professores/as, já que uma das avaliações da classe docente é de que o atual parlamento catarinense é vastamente fisiológico e está longe de representar os interesses públicos (com algumas raras exceções). Num contexto em que as futuras gerações formadas nos bancos das universidades catarinenses não querem exercer a profissão do magistério pelos baixos salários e péssimas condições de trabalho, os professores e professoras catarinenses demonstraram que a politização do debate educacional é urgente e necessária. É uma luta coletiva que se insurge não apenas em relação a uma reivindicação pontual. Trata-se de uma assisada denúncia dos desmandos do poder público e os seus correspondentes efeitos na educação básica catarinense. I



[1] Historiador e Doutorando em Educação (UFSC). Pesquisador e articulador pedagógico na Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz, Florianópolis/SC. E-mail: clioinsone@gmail.com.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Meritocracia e a precarização do trabalho docente em Santa Catarina


Jéferson Dantas[1]

No dia 9 de julho, na seção 'Opinião' do Jornal Notícias do Dia, um jovem historiador saiu em defesa da meritocracia como motivação para o melhor desempenho dos/as trabalhadores/as em educação em Santa Catarina. Assentado em lugares-comuns e desconsiderando as razões estruturais da greve do magistério catarinense em curso, o historiador começa o seu texto com a seguinte afirmação: “[...] a sociedade catarinense foi surpreendida pela continuidade da greve na educação. Após uma série de negociações e a garantia por parte do governo do Estado do cumprimento da lei do piso, esperava-se que os professores também se preocupassem com os alunos e retomassem as atividades”.

De acordo com a afirmação acima - ao colocar palavras na boca da ‘sociedade catarinense’, que fatalmente inclui seus professores – o articulista sai em defesa das ‘garantias governamentais’ em relação ao cumprimento da lei do piso nacional salarial. É de se supor que aqui o referido historiador não age por ingenuidade. Defende no final de sua breve reflexão a ‘implantação da progressão funcional por mérito’, mesma estratégia defendida em São Paulo por Paulo Renato Souza, então secretário de educação daquele estado.

Concordo, porém, que os/as trabalhadores/as em educação devem ser avaliados/as com critérios estabelecidos de forma coletiva (comunidades escolar e local) em seus espaços de trabalho, aliás, condição precípua do compromisso social e público. Entendo que a conformação dos saberes dos/as educadores/as são extremamente decisivos na reformulação de currículos rígidos, concorrendo para uma estratégia de implosão lúcida de mecanismos avaliativos arbitrários na educação formal. A educação básica pública, nos moldes em que se encontra no estado de Santa Catarina, todavia, tem reduzido sobremaneira a capacidade de intervenção de educadores e educandos, já que as unidades de ensino vêm sendo tratadas como instituições eivadas de cargos comissionados e de confiança do governador, esvaziando a sua intencionalidade pedagógica.

Se ficarmos apenas na questão de quem ‘ensina melhor’ e de quem ‘ensina pior’ (um maniqueísmo mecanicista e determinista) não conseguiremos visualizar de forma mais ampla as condições de trabalho pelas quais os dois perfis de trabalhadores são submetidos. Como já foi revelado em extensa pesquisa organizada pelo psicólogo Wanderley Codo no final da década de 1990, mesmo os ditos ‘bons professores’ com o passar dos anos vão se tornando cínicos, desmotivados, exaustos emocionalmente e despersonalizados. Cabe lembrar que a formação continuada em Santa Catarina nos últimos oito anos foi praticamente inexistente. Logo, preocupar-se com a ‘qualidade da educação’ em Santa Catarina, significa compreender a complexidade das relações de trabalho nestes espaços sociais e não culpabilizar os/as professores/as pela má qualidade de ensino. O modelo de educação estatal catarinense tem primado pela gestão tarefeira e antidemocrática, além da exploração incessante de uma força de trabalho intelectual precarizada e que na medida do possível é responsável direta pela formação das novas gerações neste estado.



[1] Historiador, Mestre em Educação e Doutorando em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador e articulador dos estudos do currículo na Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC). E-mail: clioinsone@gmail.com.